12.8.11

Meu encontro com Hilda Hilst



Hilda Hilst me indicou a leitura de Mário Faustino. Eu tinha 17 anos quando, por meio de uma amiga em comum, enviei uns três poemas para a apreciação da autora. Eu morava em Santa Bárbara D`Oeste, cidade próxima a Campinas, onde Hilda morava, especificamente na Casa do Sol, seu ashram, seu espaço mágico, que dividia com noventa cães. Em um dos poemas eu pretensiosamente citava Baudelaire. Tinha o livro Flores das flores do mal, com tradução de Guilherme de Almeida. Para espanto de Hilda que comentou: “Ele tem dezessete anos e está lendo Baudelaire? Eu só fui lê-lo quase aos quarenta!”. Confesso que sempre fiz leituras pretensiosas em minha adolescência: Li Sartre, não a obra literária e sim a filosófica. É claro que ficava perdido, mas fingia compreender. O mesmo se deu com a leitura dos poemas de Baudelaire. Conto essa história para dizer que amarelei, sei lá, não tive coragem de visita-la. Aconselhado por minha querida amiga, ela me disse: “É só levar um bom vinho que ela te receberá com muito prazer”. Eu enrolei e nunca fui. Perdi a chance. Eu era um menino assustado com anseios tímidos. Fiquei cheio de medo daquela senhora. Não fui. Cresceu o mito Hilda em mim.
Agora estou relendo Hilda, apreciando sua linguagem rasgada, meteórica e misticamente erótica. Hilda aproxima-se da linguagem para alcançar Deus. A força de seu trabalho é este: o exercício da linguagem que transcende. Por isso, logo me apaixonei pelos seus livros, por sua figura e seu entorno. E ao reler os seus textos, percebo o quanto estava e ainda estou ligado espiritualmente aos seus livros. A experimentação em Hilda não acontece apenas pelo compromisso estético e sim pelo desejo de encontro com o divino.
Desde aquela época li apenas alguns poemas de Mário Faustino. Nunca mergulhei em seus poemas. Escrevo esta reflexão para dizer que o desejo de conhecê-lo, assim como rever a produção literária de Hilda cresceram em mim. Acho estranho tudo isso e prefiro que o estranhamento me tome ao invés de explica-lo com clareza. A verdade é que os meus textos não se aproximam em nada do estilo de Hilda, mas a minha afinidade com ela é para além da escrita, está mais próxima do universo que ela criou em sua vida, de seu despojamento, de sua radicalidade e entrega para o ato de criar.
Talvez o trecho deste poema (Vida toda linguagem) de Mário Faustino faça-me compreender a indicação de Hilda:
“Vida toda linguagem,
frase perfeita sempre, talvez verso,
geralmente sem qualquer adjetivo,
coluna sem ornamento, geralmente partida.
Vida toda linguagem,
há entretanto um verbo, um verbo sempre, e um nome
aqui, ali, assegurando a perfeição
eterna do período, talvez verso,
talvez interjetivo, verso, verso.
Vida toda linguagem,
feto sugando em língua compassiva
o sangue que criança espalhará – oh metáfora ativa!
leite jorrado em fonte adolescente,
sêmen de homens maduros, verbo, verbo.
Vida toda linguagem,
bem o conhecem velhos que repetem,
contra negras janelas, cintilantes imagens
que lhes estrelam turvas trajetórias
Vida toda linguagem”

Ao ler os meus poemas tão imaturos, Hilda talvez quisesse me dar o seguinte recado: se este é o seu caminho, saiba que a sua vida será ou poderá ser uma experiência plena de existência e linguagem, neste caminho só o ato de escrever poderá te salvar. Agora o que sei de Hilda, ela não saberá que sei. Mesmo sem saber, Hilda participou e participa de minha formação e jornada como escritor e como ser humano. Salve, Hilda, Salve! Para sempre a Morada do Sol.

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Imagem: Philip Guston