31.10.12

Razões para assaltar alguém com os olhos

Talvez você já tenha passado por isso, de olhar pela janela do ônibus, do carro, do banheiro de um shopping ou mesmo da sua casa, e ver aquela gente sem rosto. Quer dizer, aquela gente que você não consegue definir se são ou não seus iguais, e essa coisa toda de ter compaixão e amor ao próximo. Comigo isso acontece sempre. Eu tenho a mania de ficar olhando para as pessoas tentando me encontrar de alguma maneira nelas. Um dia isso não vai dar certo. Um dia talvez alguém queira - e faça questão - que eu me explique. Um dia alguém se declara. É que eu estou em São Paulo. Nessa cidade, olhar para os outros é tão comum quanto esperar condução. Esperamos, esperamos, esperamos e para consumir o tempo, vigiamos o próximo.
Se eu morasse em Chicago ou em qualquer cidade americana eu seria preso. Ainda mais com meu sobrenome. Mas eu tomo cuidado. É claro que quando fico contemplando um sujeito (homem, mulher, criança, jovem ou velho) eu dou uma enganada, olho pra baixo, para os lados, finjo estar hipnotizado. Eu atravesso a pessoa com o meu olhar e consigo ver um outro adiante. E se for necessário, um outro e mais outros e outras.
A questão é que eu não consigo parar de praticar esse esporte de ver, conectar, compartilhar e mesmo assaltar o desejo dos outros pelo acesso ao globo ocular. Confesso, sem nenhum pudor, que faço isso por interesse. Me interessa saber do outro suas vontades e anseios no mundo. Apenas para descobrir que eu sou igual. Tolo igual. Ridículo igual. Amorosamente igual. Estonteantemente igual. Genialmente igual a todo mundo. Pra não entrar nessa de me achar superior e ficar de uma janela qualquer tentando compreender o que será que deu nessa gente de existir assim, tão de repente, e sair de lá para cá e de cá para lá, vivendo sei lá para quê. O que me incomoda é quando ninguém me vê.

Imagem: Philip Guston