20.12.12

Vocare



 Philip Guston, Sem título, 1967.


Como os salmões, rio acima.
Nadar contracorrente. Desovar
em águas tranquilas, voltar
a origem do nascimento.
Regressar ao oceano
ou servir de alimento
aos ursos  da montanha .

18.12.12

Uivo


Mahoning, 1956, Franz Kline



me encanta o teu discurso mudo e o ruído dos teus cabelos em meu nariz
o teu espanto e o espasmo da contemplação de ver os dias  contigo me
encanta a rede no chalé a montanha e você percebendo marimbondos
na lua no colo na fila do supermercado e me encanta o mistério de uma estrela
pendurada sem fio lá no teto da nossa mágoa como me 
encanta a beleza com os pés fincados na terra, as estações, os meses, os anos, mesmo que eu saiba 
de toda impermanência a vida resmunga como madeira na mão do artista a sentir os dedos
brincando  nas minhas orelhas a ouvir o teu juízo de louca a lamber as minhas pupilas
o teu amor aos macacos, tucanos, cobras, araras e tua sede deitada na rede de água
e a graça do ruído inexplicável de quando fala de pés suados aos pés dos pássaros

31.10.12

Razões para assaltar alguém com os olhos

Talvez você já tenha passado por isso, de olhar pela janela do ônibus, do carro, do banheiro de um shopping ou mesmo da sua casa, e ver aquela gente sem rosto. Quer dizer, aquela gente que você não consegue definir se são ou não seus iguais, e essa coisa toda de ter compaixão e amor ao próximo. Comigo isso acontece sempre. Eu tenho a mania de ficar olhando para as pessoas tentando me encontrar de alguma maneira nelas. Um dia isso não vai dar certo. Um dia talvez alguém queira - e faça questão - que eu me explique. Um dia alguém se declara. É que eu estou em São Paulo. Nessa cidade, olhar para os outros é tão comum quanto esperar condução. Esperamos, esperamos, esperamos e para consumir o tempo, vigiamos o próximo.
Se eu morasse em Chicago ou em qualquer cidade americana eu seria preso. Ainda mais com meu sobrenome. Mas eu tomo cuidado. É claro que quando fico contemplando um sujeito (homem, mulher, criança, jovem ou velho) eu dou uma enganada, olho pra baixo, para os lados, finjo estar hipnotizado. Eu atravesso a pessoa com o meu olhar e consigo ver um outro adiante. E se for necessário, um outro e mais outros e outras.
A questão é que eu não consigo parar de praticar esse esporte de ver, conectar, compartilhar e mesmo assaltar o desejo dos outros pelo acesso ao globo ocular. Confesso, sem nenhum pudor, que faço isso por interesse. Me interessa saber do outro suas vontades e anseios no mundo. Apenas para descobrir que eu sou igual. Tolo igual. Ridículo igual. Amorosamente igual. Estonteantemente igual. Genialmente igual a todo mundo. Pra não entrar nessa de me achar superior e ficar de uma janela qualquer tentando compreender o que será que deu nessa gente de existir assim, tão de repente, e sair de lá para cá e de cá para lá, vivendo sei lá para quê. O que me incomoda é quando ninguém me vê.

27.6.12

O texto literário como fonte de mistério

O que em comum tem autores como Clarice Lispector, Hilda Hilst, Raduan Nassar, Hermann Hesse, Adélia Prado, João Gilberto Noll, Antonio Lobo Antunes, entre outros?
A questão pela qual levantei os nomes desses escritores tem a ver com a dimensão espiritual, metafísica e existencial de suas obras, com sua mística, seu mistério. A escrita literária como autoconhecimento. Temas recorrentes na história da literatura. Neles a linguagem ganha tom de experiência com o sagrado, o transcendente, o não comunicado que se revela no entre. Esse meu devaneio é de (des)ordem subjetiva, não tenho como concluir nem provar nada, apenas sentir. Parto aqui da minha experiência como leitor e escritor.
A arte de escrever não precisa nem deve estar relacionada a um tema que consideramos como maior. Mas “penetrar surdamente o reino das palavras”, como diz o poeta, deve ser um ritual, uma comunhão, um encontro. E isso não significa que todo ritual deva ser algo localizado no extraordinário. É no ordinário que as coisas sofrem grandeza e desnudam a existência. Nos poetas, essa relação espiritual e mística talvez seja mais recorrente do que nos prosadores, lugar de invenção, de risco e desorientadora natural da razão que é a poesia. O ritual cotidiano de Rubem Braga, por exemplo, com suas crônicas assume aquilo que chamo de exercício transcendente com a linguagem. Em Rubem as coisas não ditas saltam da página e abraçam o leitor. Clarice Lispector é precisa ao dizer: “Então escrever é o modo de quem tem a palavra como isca: a palavra pescando o que não é palavra. Quando essa não-palavra – a entrelinha – morde a isca, alguma coisa se escreveu” (Água Viva, p. 25). O que é escrito com a não-palavra cria o mistério no texto, o que não se sabe, mas é captado pelos sentidos. O sagrado é um modo de se relacionar com a palavra, é uma forma de oração, um rito, um fluxo quântico, de consciência, e isso também não significa ser hermético ou abstrato, nem sem enredo ou história que se conte. Tudo isso está presente de maneiras diferentes nos autores que citei logo no início dessa reflexão. Não se trata do que narrar e sim do como acontece à experiência com a palavra. O gesto narrativo. Não é necessário falar de Deus para que um texto seja dessa envergadura. Quando se lê Hilda Hilst sabemos que a razão em si não consegue captar o que é dito nas entrelinhas e nas imagens oceânicas que cria. O erótico em Hilda é um assombro tântrico e místico no jogo de sua linguagem e, por isso, não se banaliza.
Creio que a literatura produzida por esses autores tem a capacidade de cuidar, de cicatrizar feridas, dores, fissuras da alma, de curar da ignorância de nós mesmos. Se lidos em seus hiatos, no vazio Zen dos seus textos, podem revelar um estado de iluminação no leitor. Começam a dizer o indizível, a visualizar o invisível. Dessa natureza criadora é que contempla o leitor, o vestígio da experiência da escrita: as palavras que podemos lê-las.
Nenhum desses autores teve essa pretensão, ou ao menos não declarada, nenhum deles quis ser um xamã ou um curandeiro-escritor, mas todos, sem exceção, invadiram o misterioso território do verbo que se fez carne, ritualisticamente, se inscreveram como sábios no universo da imprecação mística da arte de escrever. Nesse sentido, não são maiores nem menores que nenhum outro ser humano, apenas existem na potência daquilo que são: escritores. E por terem acolhido essa missão resignados em suas existências é que puderam compreender a palavra como desígnio sagrado a penetrar o processo de criação de seus contos e romances. Bebendo na fonte de todo mistério.


Originalmente publicando em: http://terracotaeditora.com.br/?p=1243

2.5.12

Alfabeto das Nuvens

Colaboro no site MusaRara com a coluna Alfabeto das Nuvens. Textos, reflexões e ideias sobre a literatura infantojuvenil e seus caminhos. Para ler os textos, acesse Alfabeto das Nuvens.

29.4.12

Três exercícios para despistar a razão ou Tudo aquilo que eu sou

Exercício no. 1: Fui até a estante com livros e puxei de lá Água Viva de Clarice Lispector. Fechei os olhos e abri aleatoriamente. Assim: "Às vezes eletrizo-me ao ver bicho". Ou ainda: "Segurar passarinho na concha meio fechada da mão é terrível, é como se tivesse os instantes trêmulos na mão".


Exercício no. 2: Pego o Gulliver no colo (Gulliver é o meu gato). E fico com os trechos do texto da Clarice passeando em minha cabeça, enquanto acaricio a barriga do meu bicho. E penso na possibilidade dele comer um passarinho qualquer.

Exercício no. 3: Abro um dicionário de mitologia chinesa, folheio e encontro. Na letra P. PA-CHA: Deus destruidor dos gafanhotos. Era um deus híbrido, meio humano, meio ave e meio sino.
E me asseguro de que o texto de Clarice, o Gulliver e o laptop em que digito esta postagem ainda são realidades a que eu posso me apegar. E fico como um servo fiel desejando ver PA-CHA.


Vídeo de divulgação do meu livro "Esquece Tudo Agora"

10.4.12

Vídeo de divulgação do lançamento do livro Esquece tudo agora

Vídeo de divulgação do meu livro de contos: Esquece tudo agora (Editora Terracota), dirigido por Olindo Estevam. Salve!

11.3.12

Meu livro de contos: Esquece Tudo Agora - Lançamento em 14 de Abril

Texto da orelha do livro:

O exímio fatiador busca a perfeição. O professor passa o dia atormentado por um nome onipresente. Helena, gorda e milionária se sente profundamente infeliz sem o seu Antenor. Alice ainda exala beleza mesmo em uma situação que aterroriza os transeuntes. Juarez Medalla finalmente descobre de onde vêm as grandes canções. Heleno que gostava dos pequenos não parava de crescer. Jerônimo foi vítima do ataque de um grupo de terroristas poéticos. Abigail aconselha a comer azeitonas pretas quando não souber o que fazer.

Com ligeireza e densidade cada conto de Marcelo Maluf é uma martelada no sino da existência, um baile de personagens caleidoscópicos e histórias pungentes, que tratam de transcendência e incerteza, nada é o que parece e mesmo que fosse já se alterou. Afinal, a vida é um jogo de sombras onde um raio fugaz é capaz de mudar toda uma existência. A realidade é uma construção alicerçada em signos e metáforas, coberta pelo véu imposto pelo limite dos nossos olhos. Algumas pessoas conseguem ultrapassar o véu, outras perguntam: o que você viu lá? Mas não sabem que a descrição não é válida, pois é a experiência de descortinar que importa e os resultados mudam conforme o tato de cada um. No fim, somente signos e metáforas podem ser compartilhados, a experiência é uma nave de acento único, de uma viagem que não há nada para lembrar, mesmo que seja impossível esquecer.

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Imagem: Philip Guston